A agricultura e a silvicultura foram tradicionalmente consideradas como actividades susceptíveis de contribuírem para a melhoria da qualidade do ambiente, o qual também, até ainda não há muitos anos, era, em termos práticos, identificado com a paisagem.
     Hoje em dia, porém, verifica-se que uma tal situação tem vindo a sofrer profundas alterações. De facto, tanto a agricultura como a silvicultura, mas sobretudo a primeira, por razões físicas e/ou económicas, tiveram necessidade de se intensificarem e, por isso, de fazerem uso, em muito maior escala, dos chamados factores de produção.
     Assim, tem-se procurado, e continua a procurar-se, aumentar a capacidade produtiva das plantas, actuando quer sobre os factores genéticos quer sobre os factores ambientais: em relação aos primeiros, procedendo á obtenção de novas espécies e/ou cultivares intrinsecamente dotadas de maior potencial genético de produção, e á incorporação de características determinantes do desenvolvimento de mecanismos susceptíveis de aumentarem a resistência das plantas a stresses associados ao clima, ao solo e ás pragas e doenças; quanto aos segundos, proporcionando ás culturas melhores condições de desenvolvimento, nomeadamente no que se refere ás disponibilidades de nutrientes e de água, e a um mais eficiente controlo dos inimigos naturais das plantas, ou sejam, as pragas as doenças e as infestantes.
     Entretanto, também as preocupações quanto á qualidade do ambiente, passaram a ser maiores, em particular no que se refere á qualidade da atmosfera, das águas e dos alimentos vegetais. Mais recentemente, a poluição do solo passou também, a par da poluição da água, do ar e dos produtos vegetais, a merecer uma atenção crescente. Esta atitude é inteiramente correcta - pena é que não tenha sido considerada há mais tempo e com maior cuidado -, já que o solo é praticamente um bem não renovável ( a sua taxa de formação é incomparavelmente inferior á sua taxa de destruição), e se um solo for poluído, para além de se tornar menos capaz de desempenhar uma das suas principais funções (produção de alimentos vegetais), pode transferir algumas das formas de poluição para as águas que nele se infiltram ou que sobre ele escorrem, para os alimentos oriundos de plantas nele cultivadas e, até, para a atmosfera que o rodeia.
     Mas será que o uso dos factores de produção, mesmo quando intensivo, é incompatível com a salvaguarda da qualidade do ambiente, mesmo quando este seja encarado numa perspectiva ampla e de maior exigência?
     Será que as modificações genéticas que artificialmente se vêm operando não poderão ser compatíveis com a obtenção, a preços de custo mais baixos, de mais alimentos vegetais e com a manutenção da segurança alimentar?
E em relação aos factores ambientais?
     Será que, sobretudo no que respeita á agricultura, esta poderá continuar a ser identificada com uma arte de "amanhar a terra", ou será que os amanhos, com crescente tendência para serem limitados em número, não terão, forçosamente, de ser encarados, não numa perspectiva de arte mas sim de ciência?
     É um facto, incontroverso, que as plantas, como seres vivos que são, necessitam de alimentação, de água e de protecção quanto aos seus inimigos. A alimentação é assegurada, sobretudo, através das disponibilidades de nutrientes que encontram nos solos, as quais, pode dizer-se, hoje em dia, na quase totalidade dos casos, são insuficientes para proporcionarem ás culturas as produções susceptíveis de conciliar os aspectos físicos e económicos da produção vegetal; daí tornar necessário recorrer ao uso de fertilizantes, isto é, de adubos e/ou de correctivos (minerais e/ou orgânicos), produtos em relação aos quais, e sobretudo no que se refere aos adubos, existe hoje o receio de que, com a sua aplicação aos solos e/ou ás plantas, se contribua para a degradação de diversos aspectos associados á desejável qualidade do ambiente. Mas será que um tal receio tem fundamento? Será que os potenciais efeitos nefastos da fertilização não terão muito mais a ver com o modo, incorrecto, como em termos de quantidade, de qualidade, de épocas e técnicas de aplicação se procede à utilização dos fertilizantes, quer sejam os adubos ou mesmo os correctivos? Ainda a propósito de fertilizantes, será que poderá também recorrer-se, com complemento da adubação (ou até, em certos casos, em sua substituição) a toda uma vasta série de série de resíduos e/ou efluentes resultantes, nomeadamente, da recolha e do tratamento dos resíduos sólidos urbanos, do tratamento dos esgotos, da concentração e intensificação da pecuária, das indústrias agrícolas (nomeadamente, lagares de azeite e de vinho e fábricas de lacticínios) e florestais (em particular as fábricas de celulose)? Não será que a correcta utilização agro silvícola de muitos daqueles resíduos e/ou efluentes pode constituir uma forma, porventura mais eficiente e económica, de proceder ao seu tratamento, com a adicional vantagem de, simultaneamente, se fazer a reciclagem de nutrientes e/ ou de água?
     A propósito da água, vale a pena recordar que, dadas as características do nosso clima, os solos, na grande maioria dos condicionalismos, têm falta de água durante o período da Primavera/Verão (que é, precisamente quando as plantas, devido ás mais favoráveis condições de temperatura, têm possibilidade de maior crescimento e, por isso, mais necessitam de água) e têm excesso de água durante o período do Outono/Inverno. Sendo assim, a rega e a drenagem, mas sobretudo a primeira, serão indispensáveis na maior parte dos nossos condicionalismos agro climáticos e culturais.
     Mas, em relação á rega, será que, em termos ambientais, a prática do regadio deve ser considerada como, alguém disse," uma prática que enriquece os pais mas empobrece os filhos"? Será que uma tal afirmação se justifica? Ou será que ela estará penas associada ao facto de a rega, durante muitos anos, ter sido efectuada sem as devidas precauções em termos de quantidade, de exigências quanto á qualidade e métodos de aplicação da água? Será que a água de rega que vai ser proporcionada pelo Alqueva, previsivelmente de má qualidade pelo menos em termos de salinidade, poderá ser usada sem que, com isso, ocorram certas formas de poluição dos solos?
     Ainda pelo facto de serem seres vivos, as plantas, mesmo que encontrem um óptimo em todos os outros factores, podem não originar produções potencialmente obteníveis para uma determinada capacidade genética e características do solo e do clima, se não forem protegidas quanto a pragas, doenças e infestantes. Daí que se venha recorrendo ao uso dos chamados pesticidas, nomeadamente insecticidas, fungicidas e herbicidas, que são apontados, na maior parte dos casos, como um dos factores de produção mais agressivos para a qualidade do ambiente. Mas, será que a agricultura poderá, sem acentuadas quebras de produção, dispensar a aplicação de tais produtos? Será que o controlo dos inimigos das culturas por meios naturais será suficiente? Ou será que aqueles dois meios de luta podem, e devem, encarar-se, com mais realismo, como práticas complementares mas não intersubstituíveis?
     E, por fim, será que as culturas, quer sejam agrícolas ou florestais, estarão a ser efectuadas por forma a obedecerem a um ordenamento que, para além de respeitar a vocação dos condicionalismos em termos de solo, de clima, de declive, etc., é também o que está mais ajustado ás diferentes realidades sócio económicas regionais e do país?
     Há, portanto, toda uma vasta série de perguntas para as quais professores, alunos, investigadores, técnicos e os próprios agricultores desejam, certamente, encontrar uma resposta. Por isso, se vai organizar o Seminário "Agricultura e Ambiente", com o qual esperamos trazer um importante contributo para que, no futuro, a agricultura e a silvicultura, para além de manterem, ou de virem a adquirir, as características de actividades económicas e de subsistência, se possam também assumir como actividades ecológicas.

O coordenador do Seminário
J.Quelhas dos Santos